terça-feira, 9 de dezembro de 2014

dois poemas para as seis e cinquenta

às seis e cinquenta
as torradas engasgadas
na boca
dormente do sono.

às seis e cinquenta
despir o pijama
e preparar o lanche.

às seis e cinquenta,
o alarme:
hoje há escola.

às seis e cinquenta
o quarto às escuras,
eu não quero,
eu não quero,

às seis e cinquenta
não me decido
e não me destapo.



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às seis e cinquenta,
o fim da madrugada,
às seis e cinquenta,
a casa às escuras,
são seis e cinquenta
e um senhor canta,
e o frio no corpo,
às seis da manhã
sou marioneta,
beicinho e tremor,
são seis e cinquenta
e os movimentos forçados
são pouco amáveis.
seis da manhã
e saio da cama,
o tempo recua,
volto a perder-me.

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À noite,
o sono leve:
realidade paira,
miragem
de um futuro-espelho.


sábado, 6 de dezembro de 2014

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os vinte anos (ii)

o dia dos anos
lembra-me toda a vez
os mesmos pensamentos
mórbidos:
a comida que já comi
desde que nasci,
os metros de cabelo,
as unhas roídas
e ingeridas.
valor acrescentado
em cada dezembro que passa.
no dia dos anos
consolo-me com duchesse
e álcool
e fingo que é a primeira vez
que o faço.

sexta-feira, 28 de novembro de 2014

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de lençóis a secar
num estendal interior,
de recados de bom dia
na mesa grande,
de livros de escritores importantes
nas estantes,
de roupa para primavera
que ocupa a sala e todas as cadeiras,
não sobra nenhuma para nos
sentarmos.
e da tua boca língua dentes
cuspo garganta etc
parece não sobrar
beijo que seja (para eu ficar).

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estremecer de frio
é como ser cubo de gelo
em água tépida.
o estalido,
reage o corpo,
parece que parte.

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patino, desatino,
de repente a linha
encurvou
e eu não soube dizer nada.

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do dia à noite
passa-se em quinze minutos
nem tanto
é quando vejo
a sombra que o candeeiro faz.
coço o nariz
e na parede vê-se
movimento com forma de
bicho pássaro estranho.

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estarei seca
estarei baça
estarei morna
demasiado doce
e assim eu própria
demais
para ti ?


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uma bolacha maria com manteiga.
põe-ma (poema)
directamente na boca
e cairão migalhas.
eu costumo apanhar as tuas
e comê-las.

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de facto flores.
de fato desamores.
a fuga.

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já nem um linguado me dás.

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as relações internacionais


boca construtivista
nariz realista
língua liberal
mãos pós-modernistas
orelhas interpretativistas
olhos marxistas
e um rabo crítico.



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desenhada oferenda.
pau de madeira
com força,
na areia molhada
entra e sai.
consoante
mais vogal
e depois mais
um par consoante vogal
a última é A,
vogal cravada mais fundo,
nome feminino.
risco a sublinhar
a importância
de um desejo terno (tenro?)
de ser amada de volta.

quinta-feira, 27 de novembro de 2014

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resguardo a intimidade
não a ausência

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encontro-me
bicho excitado
e não saciado.
ou vens ou ficas.
não posso esperar.


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o fogo nas palavras,
afável calor,
quente hálito.

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violenta luz
para frágil íris.
sensível à claridade,
vejo neblina
nos olhos embaciados.
através deles não sei fingir.

a flor e o jarro de água

a flor: ó tu! ajuda-me! preciso de água.

o jarro: sentes-te sozinha?

a flor: não. estou a morrer. preciso que me regues.

o jarro: já vou. antes tenho de ir ali ajudar umas ervas daninhas.

a flor: mas eu vou morrer, não vês? estou a emagrecer, a mirrar, VOU MURCHAR!

o jarro: [perdemo-lo de vista]

a flor: Oh! [e morre]

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a frequência.
infrequente bicho-papão.
dezembro mais ordena,
dezembro mais condena,
as positivas escasseiam.
este ano terei de roubá-las.

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puta
luta
enxuta

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gesto belo:
inútil és.

sexta-feira, 21 de novembro de 2014

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"love me tender"

quero feriado-partilhado-aninhado-descansado-cristalizado.

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as unhas

quanto mais roo, mais roo.
e quanto mais sinto, mais
 sinto, e mais roo.
maxilar bem treinado
para movimento delicado.
quando danço, esqueço-me delas.


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de sonho acordado
faço a aula de ecologia.
entretenho-me
a compor
palavra com palavra
com palavra,
só às vezes é bonito,
os poeminhas de sala de aula.

tola daisy.
    a daisy apaixonada.

dou-te descanso mas a mim não
[sei de ti mas de mim não]

terça-feira, 11 de novembro de 2014

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à monocromática exigência
cedi pela quarta vez.
e,
exigindo tanto e tudo,
engoliu-me.
fui engolida pela própria vontade,
desejo feito ordem.
dá para sofrer e para pouco mais.


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distinção entre os solos calcários
e os solos graníticos,
nos solos calcários
a água infiltra-se,
nos solos graníticos a água fica
retida à superfície,
o acesso a ela é mais fácil.

a geologia tem consequências
sobre
os comportamentos.
a geografia, explicativa,
determina-te a matéria
prima.
deixo água infiltrar-se.
absorvo-a.
eu, terra, fico mole.
sou terra e fico mole.
amolgada
molhada por ti,
água flutua entre grãos de solo,
areia,
terras.
quando cheira a terra
molhada
é sinal
da minha permeabilidade,
namorada em profundidade,
estou.
sozinha em humidade,
fico,
beijada mas não amada.
empapada em ti, até secar.
não deixo que seque.
faço-me beijar
outra e outra vez
para fingir amada.

réstia de esperança que venhas a encharcar-me
por vontade própria
vontade só tua
(quer dizer, vontade sempre minha também, mas a vontade tua ser mesmo tua e não inventada por mim)

mas não é falso,
dizes,
mas não é espontâneo,
respondo eu.
recapitulo a conversa
e falo comigo própria,
pergunto e riposto,
indignada ao citar-te.

porque é amor
e devia ser leve
mas eu não sei como
compor leveza.

compõe tu,
faz esforço,
"faz um show pra mim",
dá amor em vez de casacos,
em vez de chocolates,
eu quero samba e amor,
repito-me,
já irritada,
perturbada
por tanta água
por tanta emoção
grande em tamanho
e em peso
e em custo.
demasiada para mim.

sábado, 8 de novembro de 2014

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o amor sozinho
não faz falta.

o teu amor é uma não-resposta,
incógnito.
quase cinco meses
sem dizeres aquilo.

e oh
que triste fico
sem querer.

não custa tomar
o pequeno almoço
à mesma mesa.
mas talvez
fosse cortesia inicial.

o tempo passa rápido
mas não é preciso perder os encantos.

eu vou-me embora,
tu não comentas.
será indiferente.

eu acompanho-te
tarde
no comboio.

não vês,
eu não peço muito.
só quero samba e amor.

estou apaixonada.
ordeno a mim própria:
chorar não.
não, não.
não.
se soubesse fugir para o Brasil.

sábado, 4 de outubro de 2014

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viver mais o corpo.
não menosprezar o movimento que aparece
mesmo que seja a dança
que o corpo sempre faz.

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quando me abraças afundas.
fico coberta pelos teus ossos
                                     carnes
                                     pele

ossos carnes pele.

quando me abraças e afundas
desequilibro-me
pé desliza rápido para trás,
não nos deixo cair.

desequilibro-me porque
ao me abraçares
 esqueço-me de respirar.






domingo, 28 de setembro de 2014

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vinda dos subúrbios - manhã



o quadro tem três palavras escritas
ciência,
sociologia
e política.

cheira-me a romã
vem de mim
o cheiro dela
eu cheiro a ela.

a ciência é reconhecer-lhe o cheiro.

sociologia do que não se vê
 porque se é gaja.
neste caso, a política é aceitar o não consciente.
odores.
apaixonei-me pelo cheiro do teu cabelo. entre outros.
(se calhar desaparece quando o cortares)

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permanentes, bochechas e outros tesouros.
as mãozinhas.
eu acho que a tua beleza só tem crescido.

//

geração diferente,
mas:
   foto de praia, risco ao lado, pareces eu, pareço tu.
miúdas.


//

quero cozinhar para dois
quero dormir várias manhãs seguidas
pintar bordar
ser dois e ser um
ter tempo
e ter o tempo.
(férias).


//

as partes do presente.
o meu:
   rosas em vários tons;
   caneta sem tinta:
   patilhas desarrumadas e um ar cool?


//

ter sonhos felizes
enquanto enlaçada.
mão direita em barriga quente,
no sonho o quarto é três vezes maior.
e no sonho fico feliz de o partilhar.
e no sonho e não só no sonho
a graciosidade do corpo.
o amor


//

sinto limbo.
suspiro.
respiro. 'it will be ok'.

//