quinta-feira, 26 de março de 2015

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fica em março o casacão,
as peles, as lãs,
a hibernação.
despejo os cachecóis na arrecadação
acabou-se o perigo de constipação.

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considerações
monólogo para ontem
a falha

falas da luz
de abraçá-la e olhá-la
e estar disponível para recebê-la.
falas tanto
dizes que a luz te salva
que vês a luz, que gostas dela
e apelas para que todos te oiçam
e entendam o teu amor
a força do teu amor.
falas da boa (que és tu)
és tão boa!, diria eu bêbeda na plateia.
um grito desses tipo riso sarcástico
é
também irónico mas
é
principalmente
um apelo triste
de mim para ti.
um apelo para que me vejas
porque eu sou a luz.
tu a excepção mas eu a luz.
o problema é
que te diriges a uma luz que é muda
que não responde.
não acena em concordância e
também não argumenta contra.
e eu sou uma luz com voz.

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considerações sobre ontem

a minha narrativa é incompleta
e eu só sei viver assim.
mais simples seria acreditar numas palavras escritas por mim.
assim fazer a pergunta e ao mesmo tempo dar a resposta
e logo responder-me sem iniciar um jorrar de mais e novas perguntas.
mais simples seria; mas eu não gosto de contar fábulas.
e sabendo que o passado também ele é
construção constante a partir do presente
não me deixo seguir por essa via,
via fácil, via simples,
porque recontar o passado muitas vezes
significa
contar um conto e acrescentar um ponto
e é como trair aquela que fui
no ano anterior, no mês anterior, no dia de ontem.

domingo, 15 de março de 2015

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um dia de descanso
longe da metrópole
transforma-se logo
em longas férias
grandes,
motivo de rissóis
intercalados
por finos.
mas finito o aperitivo,
segue-se a açorda
de camarão
para entreter a digestão.

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gostarás mais de barbas
e maçãs de adão
ou ter-me-á saído
a sorte grande
(?)

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participar do festim
em canas de senhorim.

(peixes)

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onde passear
é o dilema
de quem não tem
onde estar.

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da dança (e do sexo)

sobe desce
sobe desce
a pélvis
mexe
mexe

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amada:
do amor sem amante.
amar sem amante.

amante:
aquela com quem se ama.

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do não ter

comida
bebida
cigarros
trabalho
coragem
músculos
amante.

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leva-me por favor sem pagar.


(grito interior ao táxi da noite de 11 de março)

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do ter do ser
de tudo ter e nada ser

o ter e o não ser
ou
ser durante muito tempo
só se: ter durante algum.
ter algum tempo
para ser
e assim ser durante
mais tempo.
chegar ao tempo de já
não ter mas ainda ser.



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o primeiro frisson de março
foi ser galada à entrada.
um copo e um segundo,
tiras-me outro fino?
tou ficando sem graça...
e diz ela:
nunca se sabe as surpresas
que nos reserva a vida.
em tom de fuga
deslizo
e já estou à porta.
acendo um cigarro:
porque já basta de filosofar
e eu não sei como galar.

sexta-feira, 6 de março de 2015

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aulas à tarde (3):

Kant deixa-me ansiosa.

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aulas à tarde (2):

a fome aperta e o sono instala-se.

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aulas à tarde:

o acto de almoçar está ultrapassado.

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o fim da esplanada é:
ilhas no chão
e
sobrepopulação nos bancos de pedra.

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o amor não é
um
animal amestrado.


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da brisa de sons
do piano da sala ao lado:
grande sorte!
da apatia e do aborrecimento
da minha aula
imagino paisagens.
vejo o martelar determinado
dos dedos nas teclas.
a professora lamenta.



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o movimento entusiástico
das tuas pernas
faz tremer as minhas
antes quietas.
agora são imagens
sem som
as que vejo.
danças, danças, ao som de nada.
baralhas as pernas ao som do meu coração
histérico.

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apresentações orais
são como reencontrar
ex-namoradas.
o corpo é um tremor
inegável e previsível.
fica-se mudo e
quando se acaba fuma-se
muito.


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o fenómeno curioso dos patos
quando decidem passear-se
entre as pessoas.
o fenómeno primaveril
de adormecer no meio da cidade
porque há pedaço de relva livre.
o jardim urbano
é
uma ilha
para o corpo cansado.

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ainda não está calor,
ainda a roupa não é leve enfeite.
mas
o sol mais quente,
o sol mais longo.
de repente a relva seca é
uma novidade e
sem esforço imagino abril e maio,
de daisies por toda a parte.

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a imagem que só eu tenho da tua larga cama:
será,
em breve,
vaga.

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o semáforo laranja:
a luz intermitente de cada vez que apaga parece que não acende mais.

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a liberdade é um braço atravessado nas tuas costas.




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convicção sobre o vazio:
o espaço e o tempo são conceitos que pairam...
sem eles tudo será imprevisível...



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camada plana e gelada
de imagens:
recordações vincadas dos lados.